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Entrevista com Carolina Sumie, coordenadora de grupos de estudo e orientadora de pesquisa da Escola Politeia. Já trabalhou nas Escolas Lumiar e na Teia Multicultural. Participou dos Encontros Internacionais de Educação Democrática de 2004, 2007 e 2010.

Qual é o seu papel aqui na Escola Politeia?

Hoje, eu sou uma das educadoras que acompanha um grupo de crianças. Já fiz esse papel em outro momento, em 2012, quando abrimos o Fundamental. A gente chamava de ciclo um, trabalhamos com crianças de 1º ao 3º ano em grupos multietários. Mas desde o início da Politeia, em 2009, até o ano passado era eu quem fazia todo o administrativo, o financeiro e um pouco de coordenação pedagógica. Do ano passado para esse, decidimos fazer um revezamento porque ficar só nessa parte é cansativo, eu sou pedagoga então, também estava a fim de voltar a estar com as crianças.

Quais foram as escolas que você trabalhou e como era seu método de ensino nelas?

Eu comecei na Lumiar e foi uma experiência muito boa trabalhar com a Helena Singer, que estava pensando sobre educação democrática e coordenando tudo, junto com vários outros educadores que vieram compor a equipe. Depois de uns três anos, teve uma cisão que fez uma reformulação da proposta e mandou toda a equipe inicial embora. As pessoas que saíram da Lumiar montaram o Instituto Politeia que, inclusive, alguns pais também se juntaram após terem saído da Lumiar. Fomos juntos procurar alguém que nos abraçasse como grupo e encontramos a Teia Multicultural. Era uma escola que tinha acabado de abrir, em 2006, e uma de suas sócias já tinha tido relações com a Lumiar. Eu trabalhei lá de 2007 a 2008, como professora de infantil, e era uma proposta bastante ligada à concepção de artes, um trabalho bem próximo também das crianças. Depois, fui chamada para trabalhar na EMAI (Escola Municipal de Educação Infantil), fiquei dois anos e meio lá. Foi um choque de realidade, meu universo era trabalhar em equipe, com várias pessoas pensando sobre aquelas crianças e, de repente, você se vê sozinha. Depois, eu comecei a me virar, e foi bacana ter uma relação diferente do que eu já tinha como experiência.

Como você conheceu e se engajou na educação democrática? E como foram esses Encontros Internacionais?

Foi enquanto eu cursava pedagogia na USP, recebi um e-mail sobre um curso de formação em educação democrática que o pessoal que estava abrindo a escola Lumiar, acho que em 2002, estava oferecendo. Eu não sabia nada, mas resolvi fazer. Lá que eu me interessei e fez mais sentido a escolha pela pedagogia e, desde então, eu me envolvi na educação democrática. O primeiro Encontro Internacional que eu fui, em 2004, foi na Índia e, depois, alguém da equipe da Lumiar sempre ia em algum ano. Em 2007, quando a gente já tinha tido a cisão e feito o Instituto Politeia, trouxemos a ideia aqui para o Brasil. Foi bem interessante, e tem uma dinâmica dos encontros que, para você trazer para o seu país, você precisa estar a dois encontros anteriores lá. Então a Maíra, que foi em 2005, fez a proposta de trazer para o Brasil. Foi uma parceria bem legal que a gente fez com o Forúm Mundial de Educação, aconteceu em Mogi das Cruzes, naquele ano. Tivemos um suporte, de logística, muito bom da parte deles e, principalmente, do Instituto Paulo Freire, que estava na coordenação do fórum. 

Você acredita que a educação democrática deveria ser adotada por todas as escolas?

Não necessariamente, eu acho que deveria existir a possibilidade de propostas como esta serem mais comuns. A lei de diretrizes e bases da educação (LDB), que é a última de 1996, fala da autonomia das escolas para terem suas propostas pedagógicas. Então acho que as pessoas interessadas, falando mais, talvez, da iniciativa privada, deveriam ter essas oportunidades. Essa autonomia para que a proposta que se almeja ser concretizada. Quando a gente vai falar da educação pública, a gestão democrática é um dos princípios que devem regê-la, então, não é tanto uma opção. Os espaços de participação precisam ser cada vez mais presentes nela, com certeza, porque é um espaço de formação para a cidadania. Uma das coisas mais ditas em todos os documentos de formação e curriculares é que a escola deve formar para a cidadania. Então, a gente deve pensar com mais afinco e profundidade no que isso significa. Como é que você forma para a cidadania se você não tem esses espaços de participação, né? Por isso, é bem importante que esse movimento cresça dentro, principalmente, das escolas públicas.

Para você, qual é a maior diferença entre as escolas públicas e as particulares?

Acho que tem várias questões, assim, é muito importante que a escola pública seja um lugar diferente do que ela costuma ser hoje. Ainda funciona muito no modelo tradicional e aí, acho que as escolas particulares também. É tudo muito geral, acho que isso compreende toda a situação. Em termos de modelo pedagógico não tem tanta diferença. As pessoas estão seguindo uma forma de operar sem reflexão sobre o que estão fazendo. Você tem uma estrutura pública que, normalmente, na educação infantil ainda é muito boa em termos de qualidade e tamanho do espaço. E, quando você chega no ensino fundamental, vira aquela coisa quadradinha. Você tem classes menos privilegiadas na escola publica porque não têm condições de pagar. E aí, quando a família ganha um pouco mais, o que ela pretende é tirar o filho da escola pública para colocar em uma particular. Em uma ilusão de que a qualidade é muito melhor e essa situação não é muito real. Acho que o público é a maior diferença entre as duas e, no geral, você acaba tendo pouca diversidade tanto na escola privada quanto na pública, porque as pessoas estão na mesma classe econômica.

Você enxerga alguma possível solução para a situação crítica em que muitas escolas públicas se encontram?

A escola pública tem uma dinâmica muito pouco perene. Troca muito de professor e isso atrapalha a começar e dar continuidade em alguma coisa. Tem muitas coisas burocráticas em quem está em um cargo mais alto, que acabam engolindo a pessoa. Vai depender muito dos valores pedagógicos dela para conseguir mexer em algo. Existe essa ideia de que o diretor tem um poder muito maior do que as outras pessoas. Mas se você for olhar a estrutura da escola pública, a ideia é que se tenha um conselho escolar atuante com representantes de pais, professores e estudantes. Se esse conselho conseguir ser o responsável por tomar decisões na escola seria muito interessante. Solução... Não sei se existe uma, mas acho que a gente ainda trava muito nessa ideia pré-concebida do que é a escola, para que ela serve. Então, acho que temos que desnaturalizar muitas coisas. Por exemplo, que as pessoas da mesma idade aprendem uma coisa se você ensinar de tal jeito, isso é uma coisa que está dada. E não é verdade, cada uma aprende de um jeito. O professor ali para trinta, quarenta, não consegue dar conta disso tudo, ainda se for ver o quanto eles ganham. Assim, não é impossível, mas também é uma opção do cara. Acho que é mais interessante quando você tem um projeto de escola. Por exemplo, no Amorim Lima lá no Butantã. Você tem essa permanência mais fixa dos professores por causa da proposta. É difícil que exista a solução porque cada escola é uma realidade local. Como cada escola pode pensar em um projeto que faça sentido para aquela comunidade, entende?

Em sua opinião, qual a maior dificuldade que escolas como a Politeia enfrentam por serem diferentes das tradicionais?

Eu acho que a maior dificuldade é que a gente acaba sendo indicado, inclusive por outras escolas, para famílias que tem filhos com alguma dificuldade- que as próprias escolas não dão conta e não aceitam. Então, a gente já teve uma época de muitas indicações para atender crianças com alguma necessidade especial ou questão de comportamento. E isso é bem complicado, porque a gente não pode atender toda essa demanda, se não, a gente vira uma escola para os excluídos. E isso é bem ruim para a proposta e para a construção de uma cultura escolar nossa. Acho que isso é uma das maiores dificuldades, mas essa situação tem diminuído.

Vocês tem muita rejeição por parte dos pais? Eles acham que esse não é um bom jeito de as crianças aprenderem?

Ah, é muito difícil porque, hoje, a gente tem uma comunidade que vem para a Politeia por acreditar em uma proposta diferente. A relação que a gente tem que construir é de uma parceria entre família e escola. É logico que ela existe, mas ainda é muito inicial. No sentido de como conseguiremos estabelecer diálogos nessa parceria, criticas para trabalhar em cima. Nem tudo é perfeito, cada família vai trazer suas questões. Acho que a gente tem muito mais essa relação de parceria do que de rejeição. No início, tiveram sim várias famílias que falaram que isso não dá certo, que iam procurar outra coisa. Mas acho que faz parte do começo do projeto e da segurança que temos em relação a aquilo que está sendo feito, sabe?

Como você vê a educação no futuro?

Tomara que ela seja muito diferente da tradicional, né? Dentro das leituras que temos na nossa formação tem um autor, o Ivan Illich, ele tem um texto que chama Sociedade Sem Escolas. Ele vai criticar como nesse mundo capitalista a relação de educação é institucionalizada na escola, vira uma mercadoria. As pessoas se veem despojadas da capacidade de se educar, de saber o que elas querem estudar e quais caminhos elas querem percorrer. Ele vislumbra uma sociedade desescolarizada, não necessariamente sem escolas, que é uma tradução ruim do inglês para o português, mas de um lugar em que a gente reconquiste a autonomia em relação ao nosso próprio aprendizado. Eu ouço cada vez mais pessoas e iniciativas que buscam reconquistar essa autonomia. Então, eu espero que as pessoas não percam esse saber o que se quer saber.

Comparando o método das escolas tradicionais e da Politeia, o que mais te instiga?

Tem uma coisa que a escola tradicional faz que é assim, ela pega uma “partezinha” do universo do conhecimento e diz que aquilo é importante e que todo mundo deve saber. E as pessoas podem ter algum interesse sobre aquilo, mas elas também têm interesse em coisas que não estão ali dentro. Só que, para ela o que não está ali dentro é inútil, desnecessário. É um tempo perdido você se ater sobre aquilo e o tempo bem gasto está aqui dentro desse quadradinho que foi nomeado currículo. E, nisso, as pessoas não se encaixam inteiras, elas vão perdendo um pouco da sua singularidade. A dinâmica é olhar para aquilo que as pessoas têm interesse e fazer com que elas possam desenvolver o seu caminho de aprendizado a partir desses. Não é só história, português ou matemática, é conhecimento, é transdisciplinar. Então, a gente tem aqui uma forma de eles fazerem uma pesquisa individual para seguirem seus próprios caminhos. O professor é um orientador de pesquisa, então, tem temas desde o que acontece com os ossos de dinossauros até construir Pokémons, por exemplo. Nesse percurso, o educador vai fazendo com que o estudante seja questionado sobre as coisas que ele está trazendo para dar passos adiante nessa elaboração do conhecimento. E aí também tem outra maneira de trabalhar com a ideia coletiva, com os grupos de estudos. Aqui a nossa proposta é de percorrer as coisas de uma maneira mais integrada.  

Feito por Natalia Vieira, estudante de jornalismo da faculdade Cásper Líbero.

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